Criação da Sociedade

scml23a
Insatisfeito com a falta de instrução e o atraso português na arte de curar, um grupo de clínicos de Lisboa formou, em 1822, uma associação científica que lhes proporcionasse um ensino mútuo - a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Conheça o contexto da criação de uma das Sociedades mais antigas do mundo.

A situação social dos cirurgiões portugueses até ao primeiro quartel do séc. XIX não era relevante. A origem humilde, falta de instrução e desconhecimento de línguas, são os principais factores que explicam o atraso manifestado na arte de curar.

Este desvalimento torna-se mais patente pela comparação com os cirurgiões estrangeiros, e não foi atenuado pelo envio de bolseiros para Inglaterra e Dinamarca, nem pela emigração de clínicos para França, por adesão às ideias liberais. Com as invasões francesas voltou a notar-se a diferença entre os práticos dos exércitos que entravam em Portugal e os médicos e cirurgiões que serviam nos nossos hospitais. Esta inferioridade de conhecimentos foi a razão determinante que impulsionou alguns clínicos de Lisboa (médicos e cirurgiões dos hospitais militares) a formarem uma associação científica que lhes proporcionasse um ensino mútuo, à qual foi dado o nome de Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.

A inauguração oficial da Sociedade teve lugar no dia 1 de Dezembro de 1822, na biblioteca do Convento de São Francisco, em Lisboa. A sessão foi presidida pelo primeiro Vice-Presidente Francisco de Assis Leite, cirurgião, que «recitou um excelente discurso de abertura», exaltando a utilidade das reuniões científicas, seguindo-se-lhe José Maria Pereira de Sousa, secretário provisório das sessões preparatórias, que «traçou com hábil exactidão» as circunstâncias do projecto da Instituição e a «história dos trabalhos empreendidos pelos fundadores».

13O conselho da Direcção resolveu que se fizesse «participante» da instalação da Sociedade a Sua Majestade, D. João VI. Solicitada a audiência, o Ministério dos Negócios do Reino participou que o Rei «desejando mostrar a contemplação que tem pelas Ciências Médicas e pela Escola de Medicina receberia no seu Palácio da Bemposta, no dia 11 de Dezembro do corrente (1822) pelas 7 horas da noite a deputação que a referida Sociedade desejasse mandar à sua real presença».

Perante Sua Majestade, o presidente da deputação Bernardo José de Abrantes e Castro, leu o seu discurso que historiou a fundação da Sociedade e os seus objectivos, fez a oferta dos estatutos e falou das comissões que iriam orientar os seus destinos.

Sua Majestade louvou muito o estabelecimento de uma Sociedade que pode fazer grandes serviços ao Estado e «que lhe prestaria sempre toda a protecção possível».

Entretanto, o presidente eleito José António de Freitas Soares «por motivo das suas moléstias» pediu exoneração do cargo, sendo eleito para o substituir Francisco Soares Franco, lente jubilado da Universidade de Coimbra.

As sessões passaram a realizar-se periodicamente, o número de sócios cresceu e a Sociedade foi adquirindo prestígio e influência, mas sem conseguir a sede de que tanto carecia.

Foi, contudo, efémera esta actividade, uma vez que no início de Dezembro de 1823 foi suspensa após 24 sessões, a última das quais em 24 de Março de 1823. Com efeito, implantado em Maio de 1823 o poder absoluto na capital, a Sociedade, foi considerada como foco de conspiração e protesto contra a «política realista triunfante» pelo que foi forçada a interromper os seus trabalhos. Muitos dos seus membros foram perseguidos e acolheram-se no exílio em França e Inglaterra.

A guerra civil que se seguiu e as epidemias de cólera e tifo que grassaram no País, retardaram a restauração da Sociedade. Em 16 de Maio de 1835 surge um aviso do Diário do Governo convidando os médicos, cirurgiões e farmacêuticos para se reunirem na sala das sessões da Associação Mercantil Lisbonense, com o fim de instaurar de novo a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa.